terça-feira, 11 de novembro de 2014

Como aumentar seus níveis de ômega-3, mesmo sem ingerir mais ômega-3?




As gorduras do tipo ômega-3 são essenciais e extremamente importantes para o funcionamento do nosso organismo. Os níveis adequados desses lipídeos no corpo são capazes de modular diversos aspectos da nossa fisiologia, tais como o funcionamento das membranas celulares, vias bioquímicas e de sinalização no interior das células, a produção de substâncias e mediadores envolvidos em processos pró- e anti-inflamatórios e a regulação de funções do DNA, entre outros [1].

Por esses motivos, é de suma importância que o consumo, e principalmente os níveis corporais, de ômega-3 sejam sempre adequados. Uma das formas de garantir isso é através da ingestão direta ou suplementação de ômega-3. Entretanto, veremos que existe pelo menos uma forma de se melhorar os níveis corporais de ômega-3, mesmo sem aumentar o consumo desse tipo de gordura.


Tipos de ômega-3

Para quem não conhece, esses são os principais tipos de ômega-3:


Ácido α-linolênico = ALA (C18:3)


Ácido eicosapentaenoico = EPA (C20:5)


Ácido docosahexaenoico = DHA (C22:6)


Como curiosidade, as gorduras do tipo ômega-3 recebem esse nome porque a primeira dupla-ligação na cadeia de carbonos encontra-se no carbono nº 3, contada a partir do carbono ômega. O carbono ômega é justamente aquele “solto” no final da cadeia, ou seja, não ligado ao grupamento carboxila (–COOH) no início da molécula.

O primeiro entre os apresentados nas imagens anteriores, o ácido α-linolênico (ALA), é o ômega-3 presente em alimentos de origem vegetal. As principais fontes de ALA são a linhaça e a chia. Estruturalmente, o ALA possui 18 carbonos e 3 duplas-ligações (insaturações), e por isso a denominação “C18:3”. Pelo número de carbonos, é considerado um ácido graxo de cadeia longa.

Caso a pessoa não faça a ingestão de carnes (bovina, de frango, peixe etc.) ou de produtos de origem animal por completo, como no caso dos vegetarianos e dos veganos, respectivamente, o ALA deve ser considerado como um nutriente essencial — justamente porque, como veremos abaixo, muito provavelmente não haverá ingestão suficiente das formas ativas EPA e DHA, encontradas em alimentos de origem animal. Como informação adicional: nutriente essencial é aquele que o nosso corpo não produz de maneira alguma ou não produz em quantidades suficientes para suprir todas as nossas necessidades fisiológicas, e, portanto, precisa necessariamente ser obtido por meio da dieta.

O problema de depender do ALA como um nutriente essencial é que sua conversão para as formas ativas EPA e, principalmente, DHA é muito baixa [2,3]. Essa conversão é um pouco melhor em mulheres do que em homens, mas mesmo assim ainda é pequena [4]. Portanto, no caso de indivíduos que não consomem fontes de EPA e DHA, é necessário se atentar bastante ao consumo de ômega-3 total na alimentação.

Os dois outros ômega-3 destacados nas imagens, ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA), são encontrados em produtos de origem animal. As principais fontes são os peixes de águas frias e profundas, como salmão, sardinha, atum, arenque, cavala etc. Estruturalmente, o EPA possui 20 carbonos e 5 duplas-ligações, enquanto que o DHA possui 22 carbonos e 6 insaturações — por isso as denominações C20:5 e C22:6, respectivamente. Pelo número de carbonos, ambos são considerados como ácidos graxos de cadeia muito longa.

Em nosso organismo, considerando as diversas funções que os ômega-3 possuem, as formas EPA e DHA são aquelas verdadeiramente ativas e essenciais. Entretanto, se considerarmos apenas a prevenção dos sintomas causados pela deficiência de ômega-3, nem mesmo o EPA talvez devesse ser considerado essencial, apenas o DHA [5]. De qualquer maneira, o DHA está sempre junto ao EPA, seja em alimentos ou suplementos. Assim, considerando a atividade biológica, quem ingere quantidades suficientes de EPA+DHA, pela alimentação ou suplementação, a princípio não precisa nem se preocupar em ingerir ALA.


Ômega-3 x Ômega-6

Existe uma estreita relação entre os metabolismos das gorduras do tipo ômega-3 e daquelas do tipo ômega-6. Observe na imagem abaixo como ambas as vias metabólicas utilizam as mesmas enzimas:

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É por esse motivo que tanto as quantidades totais com a proporção na ingestão de ômega-3 e ômega-6 na dieta são importantes, podendo influenciar diretamente o estado metabólico do organismo, principalmente no que diz respeito às funções pró- e anti-inflamatórias.

Essa integração no metabolismo ajuda a explicar e entender como é possível “ingerir” ômega-3 mesmo sem ingerir ômega-3. Ou seja, é possível melhorar seus estoques desse tipo de gordura mesmo sem aumentar seu consumo através da alimentação ou suplementação.


Como “ingerir” mais ômega-3, mesmo sem ingerir mais ômega-3?

Dois estudos publicados esse ano nos ajudam a responder essa pergunta. Veja como a simples redução nas gorduras do tipo ômega-6, especialmente o ácido linoleico (LA) — presente em grandes quantidades nos óleos vegetais refinados (soja, milho, canola, algodão, girassol etc.) —, é capaz de aumentar os níveis corporais de ômega-3.

No primeiro desses estudos [6], os participantes foram orientados a evitar o consumo de alguns alimentos que são fontes de ômega-6, além de receberem dos pesquisadores um suprimento de óleo de macadâmia (rico em gordura monoinsaturada) e manteiga (rica em gordura saturada) para serem consumidos no lugar de outras fontes de gorduras.

Após um período de apenas 4 semanas, foi observado aumento nas concentrações de EPA, DHA e ácido docosapentaenoico (DPA) — todos da família ômega-3. Além disso, verificou-se redução nos níveis de LA e ômega-6 total. Vale ressaltar que isso tudo aconteceu sem a ingestão de fontes consideráveis de ômega-3. Na verdade, o consumo total de ômega-3, em números absolutos, foi inclusive menor durante o período do experimento do que em relação ao consumo habitual dos participantes antes do estudo; apesar disso, não houve diferença estatística.


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O segundo estudo [7] teve um desenho experimental um pouco diferente. Nele, os participantes foram divididos em dois grupos:

1) Redução de ômega 6 (L6 diet)
2) Redução de ômega 6 + Aumento de ômega-3

Todos os indivíduos receberam orientações nutricionais periódicas e, também, tiveram a maior parte das refeições diárias fornecidas pelos pesquisadores. Ao final do período de acompanhamento, que foi de 12 semanas, o grupo que reduziu apenas ômega-6 na dieta apresentou aumento nos níveis de ALA, EPA e DHA, todos da família ômega-3. Além disso, houve redução nos níveis de LA (ômega-6). O grupo que aumentou a ingestão de ômega-3, além de reduzir o consumo de ômega-6, apresentou resultados ainda melhores no aumento nos níveis de ômega-3 e na redução da concentração de ômega-6 no corpo.


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Considerações finais

Como reduzir o ômega-6 na dieta, de forma a potencializar os níveis corporais de ômega-3? Basta eliminar todos os óleos vegetais refinados (soja, canola, milho, girassol etc.) que normalmente são utilizados para cozinhar, já que todos eles são extremamente ricos em ômega-6. Substitua-os por manteiga, azeite de oliva ou óleo de coco. Evite também, de maneira geral, o consumo de produtos industrializados, os quais normalmente contêm esses óleos vegetais em sua composição.

Em alguns casos — como, por exemplo, em pacientes que possuem doenças com patogênese essencialmente inflamatória —, é possível que seja necessário ser um pouco mais “radical”, reduzindo também o consumo de alguns alimentos que naturalmente são mais ricos em gorduras do tipo ômega-6. As nozes, castanhas e sementes em geral são alguns exemplos, além de boa parte daqueles alimentos de origem vegetal que são mais ricos em gorduras. Algumas oleaginosas, como a castanha de caju, avelã e, especialmente, macadâmia são opções ricas em gorduras que possuem teor reduzido de ômega-6.





Referências

1. Calder PC. Very long chain omega-3 (n-3) fatty acids and human health. Eur J Lipid Sci Technol. 2014;116(10):1280-300.

2. Burdge GC, Calder PC. Conversion of alpha-linolenic acid to longer-chain polyunsaturated fatty acids in human adults. Reprod Nutr Dev. 2005;45(5):581-97.

3. Gibson RA, et al. Conversion of linoleic acid and alpha-linolenic acid to long-chain polyunsaturated fatty acids (LCPUFAs), with a focus on pregnancy, lactation and the first 2 years of life. Matern Child Nutr. 2011;7 Suppl 2:17-26.

4. Decsi T, Kennedy K. Sex-specific differences in essential fatty acid metabolism. Am J Clin Nutr. 2011;94(6 Suppl):1914S-1919S.

5. Le HD, et al. The effect of varying ratios of docosahexaenoic acid and arachidonic acid in the prevention and reversal of biochemical essential fatty acid deficiency in a murine model. Metabolism. 2013;62(4):499-508.

6. Wood KE, et al. A low omega-6 polyunsaturated fatty acid (n-6 PUFA) diet increases omega-3 (n-3) long chain PUFA status in plasma phospholipids in humans. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2014;90(4):133-8.

7. Taha AY, et al. Dietary omega-6 fatty acid lowering increases bioavailability of omega-3 polyunsaturated fatty acids in human plasma lipid pools. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2014;90(5):151-7.