quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sal: o que nunca lhe contaram sobre ele




Em 2014, escrevi um dos textos mais lidos aqui no blog:

Sódio faz mal à saúde?

Nele, eu apresentei dados que mostram de forma bastante direta que, diferentemente do que ouvimos falar de profissionais e da mídia, o “excesso” de sódio não faz mal à saúde. Além disso, afirmei que, de acordo com a literatura científica, consumir dietas hipossódicas não leva à redução no risco de eventos cardiovasculares, de morte cardiovascular ou de mortalidade total.

Porém, mesmo após a leitura do post, muitas pessoas ainda perguntam:

“Mas e a quantidade de 12 g/dia de sal que o brasileiro, em média, consome? Esse tanto de sal não vai fazer mal?”.

É um questionamento válido. E, considerando sua frequência, me fez refletir sobre o fato de que as informações contidas no post anterior talvez não tenham sido apresentadas da forma mais clara possível.

Assim, o objetivo desse texto é reorganizar e atualizar as informações discutidas no post anterior, para que a mensagem a respeito da verdade sobre o sal seja mais claramente transmitida e, portanto, mais bem assimilada.

E como somos seres que dependem muito da visão, vamos usar imagens para melhor ilustrar o assunto.


Recomendações de sal e sódio

Relembrando, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o consumo de 5 g/dia de sal. E o Ministério da Saúde diz exatamente a mesma coisa*.
  

*A recomendação de sal de 5 g/dia era do Guia Alimentar Para a População Brasileira de 2008. A nova versão do Guia, de 2014, não determina mais uma quantidade específica para o consumo de sal. Porém, o valor de 5 g/dia ainda é considerado como a recomendação oficial e pode ser observado em materiais e documentos do Ministério da Saúde.
  

Vale lembrar também que o sódio equivale a 40% do peso do sal. Ou seja, 5 g (5000 mg) de sal é o mesmo que 2000 mg de sódio. Saber dessa distinção, e prestar atenção nesse detalhe, é importante para que não haja confusão com as informações a seguir.


Associação entre sal, doenças cardiovasculares e mortalidade

Como sempre gosto de frisar, a associação entre duas variáveis não significa que existe causa e efeito entre elas. Os estudos observacionais procuram apenas por associações, que depois podem ter sua relação de causalidade testada diretamente por ensaios clínicos.

Devido à sua virtual incapacidade em determinar causa e efeito, vamos falar primeiro dos estudos observacionais.

Abaixo, foram escolhidos apenas estudos que utilizaram o método de excreção urinária de sódio de 24 horas para determinar a ingestão de sal pelos participantes. Essa metodologia é considerada como padrão-ouro para essa finalidade, e é mais precisa do que estimar a quantidade ingerida de sal a partir de perguntas — por recordatório alimentar, diário alimentar ou questionário de frequência alimentar — sobre os alimentos consumidos pelos participantes dos estudos. No caso, o valor obtido pela excreção urinária de sódio de 24 horas é praticamente o mesmo (~90%) em relação à quantidade ingerida desse nutriente durante o mesmo período.


Estudo 1. Há mais de 20 anos, resultados "intrigantes" já haviam sido observados. Após cerca de 4 anos de acompanhamento, com aproximadamente 3000 indivíduos, esse estudo de 1995 verificou que quanto menor era o consumo de sódio, maior era o risco de infarto:




Estudo 2. Menor número de pessoas, maior tempo de acompanhamento: 638 indivíduos monitorados por 10 anos. Mesmos resultados: relação inversamente proporcional entre ingestão de sódio e mortalidade. Em outras palavras, quanto menor o consumo de sal, maior a mortalidade:




Estudo 3. Em uma população de cerca de 30 mil pessoas, com uma média de acompanhamento de 4 anos e meio, foi verificado que o menor risco de morte ou eventos cardiovasculares estava associado à ingestão de 10 a 15 g/dia de sal:




Estudo 4. Durante um período mediano de 8 anos, mais de 3500 indivíduos foram acompanhados. Mais uma vez foi observado que o menor consumo de sal estava diretamente relacionado ao maior risco de eventos e mortalidade por doenças cardiovasculares na população:




Estudo 5. Esse é provavelmente o maior estudo original já publicado a avaliar a relação entre sódio e saúde cardiovascular: mais de 100 mil pessoas, de 17 países diferentes, foram acompanhadas por um tempo médio de aproximadamente 4 anos. Ao final desse período, foi observado que as pessoas com ingestão de sódio entre 3000 e 6000 mg/dia (7,5 e 15 g/dia de sal) apresentavam o menor risco de mortalidade ou eventos cardiovasculares. Valores acima, e especialmente abaixo, desses foram associados com maior risco desses desfechos.




Apesar de terem sido exemplificados apenas estudos que mediram a ingestão de sal pelo método da excreção de sódio de 24 horas, os trabalhos que estimaram o consumo de sal por meio de dados das dietas dos participantes chegam à mesma conclusão: existe uma relação inversa entre consumo de sal e risco cardiovascular. Alguns exemplos aqui, aqui e aqui.


Estudo bônus. Em 2013, foi verificado que os níveis sanguíneos de cloreto também parecem ter relação com a saúde. No caso, foi observado que, em 13 mil indivíduos hipertensos, acompanhados por 35 anos, quanto menor era a concentração sérica de cloreto, maior era o risco de mortalidade total e mortalidade cardiovascular. Para quem não se lembra, o sal que consumimos é formado por sódio (40%) e cloreto (60%).




Esses são alguns exemplos de como a associação entre o consumo de sal e o risco cardiovascular é bem diferente daquilo que nos contam. Considerando a última meta-análise que avaliou todos os estudos de coorte, incluindo os citados acima, é possível afirmar que, na verdade, a ingestão de 6 a 12 g/dia de sal, quando comparada às recomendações de ≤ 5 g/dia (OMS e Ministério da Saúde), está associada a um menor risco de mortalidade e doenças cardiovasculares.

Ainda, vale lembrar que aproximadamente 90% da população mundial consome entre 6 e 12 g/dia de sal — e a maior parte dos 10% restantes provavelmente são pessoas (erroneamente?!) orientadas a consumir dietas hipossódicas. Por esse motivo, dá para imaginar que, no que diz respeito ao sal, a população em geral está segura, não é mesmo?

Podíamos parar por aqui, já que esses resultados são bem consistentes e já foram replicados em diversos estudos — em pessoas com ou sem hipertensão, com ou sem diabetes —, como os apresentados acima. Porém, vamos adiante para saber o que os ensaios clínicos têm a dizer sobre a relação de causalidade entre redução no consumo de sal e desfechos de saúde.


Dietas hipossódicas trazem benefícios?

Para verificar isso, precisamos de apenas uma imagem. Esses resultados são da última meta-análise que reuniu todos os estudos que avaliaram o efeito de dietas com redução de sal sobre os desfechos eventos cardiovasculares, mortalidade cardiovascular e mortalidade total:




Os valores que devem ser observados são aqueles que se encontram na última coluna (Effect size), como, por exemplo, o primeiro deles: “0.96 [0.83, 1.10]”. Toda vez que o valor “1.00” estiver incluído no intervalo dos números (marcados em vermelho) que se encontram dentro dos colchetes, isso significa que não houve nem redução e nem aumento no risco do desfecho avaliado.

E, como podemos perceber, todos os intervalos contemplam o valor 1.00, o que quer dizer que a ingestão de dietas com reduzido teor de sal (hipossódicas) não reduz o risco dos desfechos mencionados acima, nem mesmo em indivíduos com hipertensão.

Nesse contexto, um estudo publicado em 2015 ajuda a explicar o porquê disso. Foi demonstrado que, apesar de a suplementação de sódio levar ao aumento da pressão arterial, a maior ingestão de sódio parece não exercer efeito algum sobre a função endotelial — que é basicamente a capacidade, das células endoteliais dos vasos sanguíneos, de relaxar ou contrair nos momentos certos. E isso é muito importante, uma vez que a função endotelial é um dos principais fatores envolvidos no desenvolvimento de complicações cardiovasculares.


Considerações finais

A ideia de que a redução no consumo de sal vai resultar em benefícios à saúde, principalmente a cardiovascular, se baseia simplesmente no efeito que o sódio pode exercer sobre a pressão arterial. A menor ingestão de sal leva à redução na pressão? Sim, principalmente em pessoas com hipertensão. 

Porém, engana-se quem acredita que a melhora desse parâmetro clínico necessariamente se traduz em benefícios nos marcadores de saúde mais importantes, como mortalidade ou eventos cardiovasculares. E, como vimos acima, mesmo que aconteça redução na pressão arterial, até o momento não foi demonstrado que a menor ingestão de sal é capaz de realmente conferir benefícios em qualquer desfecho de saúde.

Existem muitas coisas com as quais podemos nos preocupar em nossa alimentação, mas o sal não é uma delas. Principalmente se você se alimenta com comida de verdade.


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