Considerando os estudos
do tipo ensaio clínico publicados nas últimas décadas, as evidências sugerem consistentemente de que, no geral, as dietas low-carb são superiores às dietas convencionais para perda
de peso.
Esse fato, no entanto, só
é totalmente claro quando a totalidade dos estudos é considerada em conjunto,
como em revisões sistemáticas e meta-análises. Se olharmos para cada estudo isoladamente, porém, é possível encontrar dezenas de trabalhos em que as dietas
convencionais, que normalmente são low-fat, são tão eficazes quanto dietas
low-carb quando o assunto é emagrecimento*.
*Perda de peso e emagrecimento, apesar de não serem sinônimos, foram usados como termos equivalente nesse texto, exceto no detalhamento e discussão dos estudos científicos propriamente ditos. Afinal, o objetivo das pessoas em geral, quando dizem que querem perder peso, é a redução na gordura corporal (emagrecimento).
*Perda de peso e emagrecimento, apesar de não serem sinônimos, foram usados como termos equivalente nesse texto, exceto no detalhamento e discussão dos estudos científicos propriamente ditos. Afinal, o objetivo das pessoas em geral, quando dizem que querem perder peso, é a redução na gordura corporal (emagrecimento).
Então fica a pergunta: se
as dietas low-carb são realmente superiores, por que elas não levam clara
vantagem em todos os estudos?
A resposta, apesar de praticamente nunca receber a devida
importância, parece ser bem simples: o grau de resistência à insulina que as pessoas apresentam.
O que é a resistência à insulina?
A insulina, entre suas diversas funcionalidades, tem o papel de facilitar a entrada de glicose — e de alguns outros nutrientes, mas principalmente de glicose — nas mais diversas
células do corpo. Para fazer isso, esse hormônio se liga ao receptor de
insulina, localizado na superfície das células, e desencadeia uma série de
processos intracelulares que levam à incorporação de transportadores de glicose
(GLUTs) na membrana celular. O mais importante desses transportadores, no caso
da ação da insulina, é o GLUT4.
A figura abaixo
representa o mecanismo de translocação do GLUT4 até a membrana celular a
partir da ação da insulina. No canto superior esquerdo, vemos a insulina,
representada pelas bolinhas, se ligando ao seu receptor. Após a ativação de
vias bioquímicas que envolvem enzimas como IRS, PI3K e AKT, as vesículas de
armazenamento de GLUT4 (GSV) são deslocadas até a membrana celular para que as
proteínas GLUT4 possam ser acopladas. No fim, com a maior concentração de
transportadores, a glicose pode entrar com mais facilidade nas células.
Devido a alguns
desarranjos metabólicos, as células do corpo podem entrar em um estado que chamamos
de resistência à insulina. Como o
nome sugere, esse é um quadro em que as células resistem à ação da
insulina; os receptores de insulina, mesmo com a ligação do hormônio, não
desencadeiam o processo intracelular de sinalização para a translocação de
GLUT4 até a membrana celular. Ao não acontecer uma resposta adequada à insulina, o deslocamento das proteínas GLUT4 e a captação de glicose ficam reduzidos. Esse
processo é mais evidente nos tecidos muscular e adiposo.
Porém, a resistência à
insulina pode ocorrer também em outros tecidos e órgãos, como o fígado. Apesar de pouco discutido, o processo de resistência à insulina no fígado é tão importante quanto em outros tecidos (ou até mais importante).
Nesse órgão, a baixa responsividade das células à insulina dificulta a ação
desse hormônio em inibir o processo da gliconeogênese, que é a produção de
glicose a partir de outros substratos, como aminoácidos e glicerol.
Nos estágios iniciais, a
maior presença de glicose circulante leva a uma resposta compensatória na
secreção de insulina pelo pâncreas, impedindo que a hiperglicemia
perdure. E isso funciona, pelo menos provisoriamente: a maior liberação de
insulina é, num primeiro momento, suficiente para manter a capacidade das
células de captar glicose sanguínea e de inibir, mesmo que tardiamente, a
via metabólica da gliconeogênese (e, consequentemente, a produção endógena de
glicose). Porém, com o passar do tempo, a resistência à insulina se torna tão
pronunciada que nem mesmo a maior liberação de insulina é suficiente para conter
a hiperglicemia.
Essa imagem contém um erro, porque mostra a glicose sendo captada pelo próprio receptor de insulina, em vez de estar sendo transportada pelo GLUT4. Mesmo assim, ela ilustra bem a menor captação de glicose que acontece na resistência à insulina.
É nesse momento, de baixa resposta das células à insulina, que o paciente apresenta valores alterados de glicose sanguínea ao realizar um exame de sangue, podendo ser diagnosticado com pré-diabetes (glicemia entre 100 e 125 mg/dL) ou com diabetes tipo 2 (glicemia igual ou superior a 126 mg/dL).
Vale ressaltar que a
resistência à insulina, além de ser o ponto inicial do desenvolvimento do
diabetes tipo 2, é também a base da síndrome
metabólica.
A síndrome metabólica,
por sua vez, é caracterizada pela presença de três ou mais dos seguintes
fatores: HDLc reduzido; triglicerídeos elevados; glicemia de jejum alterada;
obesidade abdominal; pressão arterial elevada. É praticamente impossível
encontrar uma pessoa com síndrome metabólica que não possua também resistência
à insulina, uma vez que a própria resistência à insulina está diretamente
ligada a todos os critérios diagnósticos da síndrome metabólica — e um
deles, a glicemia de jejum, é um resultado direto da não responsividade das
células a esse hormônio.
Não falaremos hoje sobre
as possíveis causas da resistência à insulina, até porque ninguém sabe
exatamente como o processo realmente ocorre. A incerteza sobre essas causas ainda é tão grande porque os estudos que são publicados sobre o assunto
parecem querer fazer com que a resistência à insulina pareça um fenômeno muito
mais complicado do que ele provavelmente é. São dezenas e dezenas de mecanismos
propostos que buscam explicar o quadro; toda hora surge um novo, mas nenhum
parece realmente ser capaz de elucidar como ocorre o surgimento da resistência à insulina.
Eu, particularmente,
tenho minha própria hipótese, que na verdade é relativamente simples. Porém,
vamos deixar esse assunto para outro momento, até porque o foco desse texto é a
importância da resistência à insulina — independentemente de como ela surge — na eficácia de dietas restritas (ou não) em carboidratos.
Quando uma dieta low-carb é realmente eficaz?
A resposta, no geral, é simples: quando os participantes apresentam
resistência à insulina.
Os resultados são tão consistentes que chega a ser impressionante como essa
questão nunca é mencionada na discussão sobre a efetividade de dietas low-carb,
low-fat e afins.
Então vamos aos estudos.
***
Ainda em 2002, Torbay e colaboradores compararam uma dieta low-carb a uma dieta convencional. As duas dietas apresentavam 30%
das calorias na forma de gorduras, variando apenas no consumo dos dois outros
macronutrientes: 58% carboidratos e 12% proteínas para o grupo controle, 25%
carboidratos e 45% proteínas para o grupo low-carb. O melhor de tudo: os
pesquisadores forneceram todos os alimentos a serem consumidos, providenciando
dietas individualmente calculadas que continham calorias equivalentes a 80% do
gasto energético de repouso de cada participante.
Após as quatro semanas de
intervenção, foram esses os resultados:
Entre os indivíduos sem
resistência à insulina, a perda de peso e de gordura corporal foi a mesma,
independentemente da dieta. Para os participantes com resistência à insulina
(hiperinsulinêmicos), porém, a perda de peso foi maior com a dieta low-carb
rica em proteínas (HP), assim como a perda de gordura corporal também
apresentou uma tendência de ser superior com esse padrão alimentar.
Sem contar a impressionante
queda nos níveis de triglicerídeos dos pacientes hiperinsulinêmicos que
consumiram a dieta low-carb: redução média de 110 mg/dL. (O objetivo principal
do texto não é falar de outros parâmetros metabólicos, mas essa redução, em
apenas quatro semanas, foi tão grande que merece ser destacada). Apesar
de não ter sido estatisticamente diferente dos outros grupos, foi um resultado
muito superior quando consideramos sua relevância clínica. E isso faz todo sentido, tendo em vista que os triglicerídeos
são o marcador mais sensível da disfunção metabólica que é característica dos
quadros de resistência à insulina; por isso, ele normalmente é o parâmetro que
responde mais rapidamente e de maneira mais expressiva.
***
Alguns anos depois, Pittas e colaboradores utilizaram dietas similares e
basicamente o mesmo desenho experimental em mais um controlled feeding trial. Homens e
mulheres com sobrepeso, dos quais alguns apresentavam resistência à insulina e
outros não, foram divididos em dois grupos: 1) controle, com 60% carboidratos,
20% proteínas e 20% gorduras; 2) low-carb (baixa carga glicêmica), com 40%
carboidratos, 30% proteínas e 30% gorduras.
O estudo teve duração de
24 semanas, o que é muito bom para entendermos como essas dietas se comportam
no médio prazo. Os resultados podem ser vistos no gráfico abaixo:
Infelizmente os autores
não mediram gordura corporal, mas pode ser muito bem observado que a perda de
peso, para os indivíduos com resistência à insulina (“High INS-30”), foi
consideravelmente maior com a dieta low-carb (LG) em comparação à dieta
controle (HG). Por outro lado, para os indivíduos com a sensibilidade à
insulina normal, a perda de peso foi estatisticamente igual para as duas dietas — embora tenha sido um pouco maior para a dieta controle, em números absolutos.
***
Mais ou menos na mesma
época, Cornier e colaboradores publicaram o estudo com título mais enfático
desses que estamos discutindo; em tradução livre: “A sensibilidade à insulina determina a efetividade da composição de macronutrientes na perda de peso de mulheres com obesidade".
Foram recrutadas 44
mulheres que apresentava obesidade, sedo que, mais uma vez, parte delas
apresentava resistência à insulina. Assim como nos trabalhos citados acima, as
participantes foram divididas em dois grupos: 1) controle, com 60% carboidratos
e 20% gorduras; 2) low-carb, com 40% carboidratos e 40% gorduras. As duas
dietas, além de apresentarem restrição energética de 400 kcal/dia, foram
equiparadas em 20% das calorias na forma de proteínas. Novamente, todos os
alimentos foram providenciados às participantes desse estudo.
Depois de 16 semanas de
acompanhamento:
Nota-se que a perda de
peso, para as mulheres com resistência à insulina (IR), foi evidentemente maior
com a dieta low-carb (LC/HF). Porém, diferentemente do observado nos estudos
anteriores, as participantes sem alterações na sensibilidade à insulina (IS) tiveram
melhores resultados com a dieta rica em
carboidratos (HC/LF).
***
Nesse ano de 2016,
foi publicado um novo estudo por Christopher Gardner e colaboradores, um dos principais grupos de
pesquisa de intervenções nutricionais atualmente. O trabalho causou um pouco de
incômodo nas comunidades low-carb que
habitam as redes sociais, porque, ao contrário dos estudos citados acima, não foi demonstrada uma vantagem para a dieta low-carb na perda de peso.
Nesse estudo, os
pesquisadores fizeram basicamente a mesma coisa dos demais trabalhos:
recrutaram 61 indivíduos com sobrepeso ou obesidade e dividiram essas pessoas
em um grupo low-carb e um grupo low-fat. Ambas as dietas foram bem restritivas:
no grupo low-carb a ingestão inicial foi de apenas 20 g/dia de carboidratos, e
no grupo low-fat de apenas 20 g/dia de gorduras. Com o tempo, os participantes
podiam aumentar gradualmente essas quantidades.
O mais legal desse estudo
é que ele deu um foco muito grande na qualidade da alimentação, para ambos os
grupos. Conceitos como “comida de verdade”, “minimamente processado”, “da
estação” e “orgânico” foram ensinados e reforçados ao longo da intervenção,
para que todos os participantes pudessem fazer com que suas dietas fossem além
da simples composição de macronutrientes. Além disso, eles foram orientados a
fazerem as próprias escolhas alimentares, a prepararem os próprios alimentos em
casa e a lerem rótulos nutricionais.
Apesar de ter sido o
estudo com dietas mais “extremas”, os resultados sugerem que não houve
diferença significativa entre os grupos, nem em relação às dietas e nem em
relação ao grau de resistência à insulina dos participantes:
O que podemos dizer, forçando
um pouco a barra, é que houve uma tendência
da dieta low-carb ter sido um pouco mais eficaz para as pessoas com resistência
à insulina. Porém, mesmo assim, a tendência de mais destaque seria da dieta
low-fat, com maior quantidade de carboidratos, levar uma possível redução de
peso mais significativa nos indivíduos que não apresentavam resistência à
insulina — o que estaria de acordo com o que foi observado no estudo de
Cornier et al. (2005), logo acima.
Foi justamente esse
último resultado que causou um nó na cabeça de muitas pessoas defensoras das
dietas low-carb. Afinal, como conciliar o fato de uma dieta low-fat, rica em
carboidratos, talvez levar a uma maior perda de peso nesses indivíduos? O resultado não foi
estatisticamente significativo, mas só de haver a possibilidade de tendência...
De qualquer maneira,
acredito ser interessante tentarmos entender por que esse estudo de Gardner et
al. (2016), ao contrário do que aconteceu com os outros estudos mencionados,
não mostrou uma maior eficácia das dietas low-carb para os indivíduos com
resistência à insulina (ou uma efetividade realmente evidente da dieta low-fat
para as pessoas com sensibilidade normal à insulina). Acredito que são pelo
menos dois possíveis motivos:
1)
Se a qualidade nutricional for um fator tão importante como normalmente afirmamos
(e provavelmente é), é possível que ênfase a esse fator, durante a intervenção, tenha minimizado os possíveis efeitos
mais pronunciados que a dieta low-carb poderia proporcionar às pessoas com resistência à insulina, assim como uma possível vantagem da
dieta low-fat nas pessoas com sensibilidade à insulina normal.
2)
Além disso, o grau de resistência à insulina dos participantes dessa pesquisa
não foi tão elevado quanto dos outros estudos citados acima. E isso pode ser crucial, porque, na
prática, os participantes classificados como “resistentes à insulina” não eram
tão diferentes, do ponto de vista metabólico, daqueles que foram classificados como
“sensíveis à insulina”. Assim, a chance de essas dietas modularem positivamente a perda de peso, de acordo com o grau de resistência à insulina, teoricamente é
bem menor.
***
O estudo mais recente foi publicado no fim desse ano de 2016 por Rock e colaboradores. Foi o segundo trabalho mais prolongado (o mais prolongado está descrito mais abaixo), com duração de 12 meses. Nele, os participantes foram divididos em três grupos: 1) low-fat, com 20% de gorduras e 65% carboidratos; 2) low-carb, com 35% gorduras e 45% carboidratos; 3) low-carb + nozes, igual ao grupo low-carb, mas com uma porção de nozes.
Considerando apenas os dois primeiros grupos, que são o verdadeiro foco da nossa discussão, foi verificado que, para os indivíduos com resistência à insulina, a perda de peso foi exatamente a mesma com as duas dietas. A não superioridade da dieta low-carb nesse caso pode ter sido decorrente do fato de que essa dieta não foi low-carb "de verdade"; alguns órgãos, como o IOM (responsável pelas DRIs), consideram 45% das calorias na forma de carboidratos como o limite inferior das quantidades "ideais" a serem consumidos. Além disso, para ser justo com os autores do estudo, é preciso mencionar que eles não usaram o termo "low-carb" para essa dieta, e sim o termo "lower-carb". Ou seja, foi uma dieta "mais baixa em carboidratos", e não necessariamente "restrita em carboidratos".
Apesar disso, o resultado mais interessante nem foi esse. De forma semelhante ao observado no estudo de Cornier et al. (2005), os participantes que apresentavam sensibilidade normal à insulina perderam mais peso com a dieta rica carboidratos — redução de 7,5 kg na dieta low-fat contra 4,3 kg na dieta low-carb.
***
O estudo mais recente foi publicado no fim desse ano de 2016 por Rock e colaboradores. Foi o segundo trabalho mais prolongado (o mais prolongado está descrito mais abaixo), com duração de 12 meses. Nele, os participantes foram divididos em três grupos: 1) low-fat, com 20% de gorduras e 65% carboidratos; 2) low-carb, com 35% gorduras e 45% carboidratos; 3) low-carb + nozes, igual ao grupo low-carb, mas com uma porção de nozes.
Considerando apenas os dois primeiros grupos, que são o verdadeiro foco da nossa discussão, foi verificado que, para os indivíduos com resistência à insulina, a perda de peso foi exatamente a mesma com as duas dietas. A não superioridade da dieta low-carb nesse caso pode ter sido decorrente do fato de que essa dieta não foi low-carb "de verdade"; alguns órgãos, como o IOM (responsável pelas DRIs), consideram 45% das calorias na forma de carboidratos como o limite inferior das quantidades "ideais" a serem consumidos. Além disso, para ser justo com os autores do estudo, é preciso mencionar que eles não usaram o termo "low-carb" para essa dieta, e sim o termo "lower-carb". Ou seja, foi uma dieta "mais baixa em carboidratos", e não necessariamente "restrita em carboidratos".
Apesar disso, o resultado mais interessante nem foi esse. De forma semelhante ao observado no estudo de Cornier et al. (2005), os participantes que apresentavam sensibilidade normal à insulina perderam mais peso com a dieta rica carboidratos — redução de 7,5 kg na dieta low-fat contra 4,3 kg na dieta low-carb.
***
Só para reforçar: esses
não são os únicos estudos a demonstrarem que uma dieta low-carb tende a ser
mais eficaz especificamente para pessoas com resistência à insulina.
Assim como detalhado no último texto,
sobre a possível vantagem metabólica das dietas low-carb, o estudo de Gower & Goss, publicado em 2015, evidencia ainda mais o benefício da restrição de
carboidratos em estados de resistência à insulina.
Nessa pesquisa, participantes
com sobrepeso e obesidade apresentaram uma perda maior de gordura
intra-abdominal (na fase de manutenção de peso) e também maior perda de gordura
corporal (no período hipocalórico) com a dieta low-carb do estudo:
Além disso, um resultado
que omiti no texto anterior foi o efeito das dietas sobre o emagrecimento dos
diferentes grupos étnicos que participaram do estudo. Os norte-americanos de
descendência africana (AA), em comparação aos de descendência europeia (EA),
apresentavam um grau de resistência à insulina (AIR) consideravelmente maior:
Para os indivíduos de
descendência europeia (EA), a perda de gordura corporal foi basicamente a mesma
com a dieta low-carb ou com a dieta low-fat. Porém, para as pessoas com
descendência africana (AA), o emagrecimento foi o dobro com a dieta low-carb:
***
Bem antes, mais
precisamente em 2007, no estudo mais prolongado que temos a explorar essa hipótese da influência da resistência à insulina sobre a perda de peso,
Ebbeling e colaboradores demonstraram mais uma vez que, para as pessoas com
sensibilidade à insulina preservada, não fez diferença consumir uma dieta com mais (55% das
calorias) ou menos (40% das calorias) carboidratos:
Porém, como tem sido
demonstrado consistentemente de estudo para estudo, eles também verificaram que
os participantes com resistência à insulina apresentam maior perda de peso ao
seguirem uma dieta low-carb:
Em ensaios clínicos
randomizados controlados, resultados muito semelhantes para perda de peso e gordura
corporal já foram encontrados também nos estudos de Kreider et al. (2011) e Le et al. (2016). Além disso, em um estudo de intervenção sem grupo controle, Dashiti et al. (2007) também demonstraram que a perda de peso é favorecida em pessoas com resistência
à insulina que seguem uma dieta low-carb, quando comparada a pessoas com
sensibilidade normal à insulina.
Contudo, em todos esses estudos,
mesmo naqueles em que os pesquisadores forneceram todos os alimentos a serem
consumidos, os participantes com sensibilidade normal à insulina não foram em nenhum
momento mais favorecidos pelas dietas low-carb do que pelas dietas que continham maior quantidade de carboidratos.
Considerações finais
Para começar a fechar esse assunto, a primeira coisa que deve
ser mencionada é que a possível vantagem metabólica das dietas low-carb, caso
realmente exista, talvez seja evidente apenas para indivíduos que apresentam
resistência à insulina. Prestando um pouco mais de atenção ao meu último texto sobre o tema,
é possível notar que, entre os estudos sem grandes limitações técnicas, aqueles que tiveram participantes com quadro manifesto
de resistência à insulina – Baba et al. (1999), Layman et al. (2003) e Gower & Goss (2015) — foram justamente os que
apresentaram evidências mais claras da possibilidade de vantagem metabólica
para as dietas low-carb no emagrecimento.
Fora isso, olhando para
as evidências discutidas no presente texto, tudo indica que a presença ou não
de resistência à insulina é um fator muito importante — senão o mais
importante — para entendermos o impacto de diferentes dietas, com composições
nutricionais distintas, sobre o emagrecimento.
Isso ajuda a explicar,
também, porque não existe uma uniformidade tão grande quanto poderia haver para
as dietas low-carb no emagrecimento, ou seja, nos faz entender por que
diferentes estudos mostram resultados um pouco conflitantes quando comparam dietas com composições nutricionais distintas. Enquanto diversos trabalhos individualmente
mostram maior perda de peso para as dietas low-carb, vários outros mostram
efeitos exatamente iguais aos de dietas com maior quantidade de carboidratos. Em todos esses estudos, é muito grande a chance de o grau de resistência à insulina dos
participantes ser um fator imprescindível para a maior eficácia ou não da
restrição de carboidratos. Os estudos com resultados mais positivos para as
dietas low-carb provavelmente tiveram indivíduos com resistência à insulina,
síndrome do ovário policístico, síndrome metabólica ou diabetes tipo 2;
resultados iguais ou até inferiores ao das dietas convencionais, por outro
lado, muito possivelmente foram de trabalhos com participantes que apresentavam
sensibilidade normal (ou quase normal) à insulina.
É claro que esse fator da resistência à insulina,
sozinho, nem sempre será necessário, ou suficiente, para determinar uma maior ou menor perda de
peso. Por exemplo, um estudo com dieta low-carb pode levar a um maior emagrecimento, mesmo em
pacientes com sensibilidade normal à insulina, desde que essa intervenção nutricional
induza uma menor sensação de fome ou uma maior sensação de saciedade,
consequentemente levando a uma menor ingestão energética. Considerando que esses exemplos são efeitos
relativamente comuns das dietas low-carb, é certeza que podemos encontrar diversos trabalhos científicos em que as vantagens das dietas low-carb foram decorrentes da menor ingestão calórica induzida pela redução da fome ou pelo aumento da saciedade.
De qualquer maneira,
mesmo com o consumo de calorias exatamente igual, como evidenciado pelos
estudos de Torbay et al. (2002), Pittas et al. (2006) e Gower & Goss
(2015) mencionados nesse texto, as dietas low-carb, sejam com uma restrição grande ou modesta de
carboidratos, se mostraram mais eficazes para a perda de peso — e em participantes com diversos perfis: homens, mulheres, sobrepeso, obesidade, síndrome do ovário
policístico. Repetindo: a vantagem metabólica discutida anteriormente é
bem mais clara quando consideramos indivíduos com o quadro de
resistência à insulina.
É por isso, inclusive,
que grande parte dos estudos de intervenção que comparam dietas com composições nutricionais diferentes também tendem a mostrar uma maior perda de peso quando os
participantes consomem dietas low-carb: os participantes desses estudos invariavelmente apresentam
sobrepeso ou obesidade, que normalmente estão acompanhados do quadro de
resistência à insulina.
Além disso, considerando que uma
parcela muito grande das pessoas no mundo, inclusive mais da metade da
população brasileira, apresenta excesso de peso, e que o acúmulo de gordura
corporal (principalmente abdominal) está diretamente relacionado ao
desenvolvimento da resistência à insulina, temos mais um grande motivo para colocarmos
as dietas low-carb como uma das primeiras estratégias quando o assunto é
emagrecimento e disfunções metabólicas. Não só por influenciar
positivamente a fome e a saciedade, as dietas low-carb parecem realmente
possuir um efeito direto no emagrecimento, principalmente para aquelas pessoas que
mais podem se beneficiar: com maior excesso de peso e maior risco
cardiometabólico.
Não há dúvidas que as dietas low-carb são eficazes, e tudo indica que são ainda mais benéficas para pessoas com resistência à insulina. Porém, gostaria de
lançar a seguinte questão: será que as pessoas sem resistência à insulina
deveriam utilizar uma dieta low-carb como abordagem inicial quando o
objetivo é o emagrecimento? Pergunto isso porque, apesar de as dietas low-carb serem melhores para
indivíduos com resistência à insulina, não há evidências suficientes para afirmar o mesmo para as
pessoas sem esse quadro. Não só isso, os estudos de Pittas et al. (2006), Gardner et al. (2016) e, principalmente, Cornier et al. (2005) e Rock et al. (2016) sugerem que, para indivíduos que não possuem elevado grau de resistência à insulina, é possível que dietas com maior quantidade de
carboidratos sejam mais eficazes para o emagrecimento.
No nível coletivo, podemos afirmar com segurança que, dadas as evidências consistentes que temos, as dietas low-carb normalmente vão ser mais vantajosas, principalmente considerando a elevada prevalência do quadro de resistência à insulina no mundo. No nível individual, porém, vale sempre lembrar: as particularidades de cada caso devem sempre ser respeitadas. Podemos usar a ciência para nos ajudar a definir as melhores estratégias, mas sempre levando em consideração o que se aplica melhor a cada pessoa.
No nível coletivo, podemos afirmar com segurança que, dadas as evidências consistentes que temos, as dietas low-carb normalmente vão ser mais vantajosas, principalmente considerando a elevada prevalência do quadro de resistência à insulina no mundo. No nível individual, porém, vale sempre lembrar: as particularidades de cada caso devem sempre ser respeitadas. Podemos usar a ciência para nos ajudar a definir as melhores estratégias, mas sempre levando em consideração o que se aplica melhor a cada pessoa.