terça-feira, 4 de abril de 2017

E se comer salmão fosse mais barato que suplementar ômega-3?




Muito se discute sobre o melhor suplemento de ômega-3. Óleo de peixe ou o “novo” óleo de krill? Na forma de fosfolipídeos ou triglicerídeos? Qual é a dose ideal? E o melhor horário?

Antes mesmo dessas perguntas, poderíamos nos questionar: precisamos mesmo aumentar nosso consumo de ômega-3? Sei que muitas pessoas podem estranhar essa pergunta: “Como assim? É claro que precisamos comer mais ômega-3. Todo mundo sabe que o ômega-3 faz muito bem pra saúde”.

Por mais que quase não seja comentado, a verdade é que as evidências sobre os benefícios do ômega-3 na saúde humana são muito menos conclusivas do que a maioria das pessoas acha. O ômega-3 é sim um nutriente essencial; não há dúvidas disso. Só que os efeitos positivos da suplementação de ômega-3, ou até mesmo de uma maior ingestão desse nutriente na alimentação, são questionáveis.

Mas levanto esse primeiro ponto mais como curiosidade. Porque não vamos falar sobre isso hoje. Para esse texto, vamos considerar que a maior ingestão de ômega-3 — por alimentos ou suplementos — é sim algo importante.

Com isso mente, vamos tentar responder outra pergunta, que infelizmente quase nunca é feita: vale a pena suplementar ômega-3?

Na verdade, a pergunta é... Quem oferece o melhor custo-benefício para o ômega-3: alimentos ou suplementos?

Não é uma análise difícil de se fazer. Basta compararmos o custo dos suplementos em relação ao custo de alimentos ricos em ômega-3, levando em consideração a quantidade desse nutriente presente nos suplementos e nos alimentos.

E, além do preço, vamos falar também de algumas outras variáveis que devem entrar nessa avaliação. Mas vamos começar falando do preço mesmo.


Ômega-3: Suplementos x Alimentos

Para essas comparações, escolhi 5 marcas conhecidas que possuem suplementos de ômega-3: Vitafor, Performance, Max Titanium, Essential e Probiótica.

O primeiro passo é determinar o preço dos suplementos de ômega-3 de cada marca. Esses preços variam muito de site para site. Por isso, pesquisei em vários sites diferentes, desde grandes redes até lojas de suplementos, e calculei o preço médio dos suplementos de ômega-3 das marcas escolhidas.

Sempre que possível, optei pela versão dos suplementos que contêm o maior número de cápsulas, porque o preço proporcional (preço por cápsula) é menor. A exceção a essa regra foi quando o produto até tinha uma versão com mais cápsulas (120, por exemplo), mas a sua oferta no mercado era baixa — poucos sites vendendo o produto com mais cápsulas. Nesse caso, optei pela versão com menor número de cápsulas (90, por exemplo), justamente porque, devido a uma oferta bem maior no mercado, essa opção possui uma maior probabilidade de ser comprada por eventuais consumidores.

Em seguida, deve-se conhecer a quantidade total de ômega-3 que cada um desses produtos oferece. E isso precisa ser feito individualmente, porque os suplementos podem vir com um número diferente de cápsulas e podem conter quantidades diferentes de ômega-3 em cada cápsula. Por exemplo, enquanto o suplemento da Vitafor vem com 120 cápsulas e são necessárias 3 cápsulas para se obter 1 g de ômega-3, o suplemento da Essential vem com 60 cápsulas e são necessárias apenas 2 cápsulas para termos a mesma quantidade de ômega-3.

Depois de saber o preço e a quantidade total de ômega-3 presente nos suplementos, é possível calcular o custo de cada grama de ômega 3 (R$/g ômega-3). Esse é a nossa principal medida para nossa análise.

Para representar os alimentos, escolhi o salmão. Em Brasília, o preço atual do filé de salmão, sem pele, está por volta de R$ 70,00/kg. Como o custo da alimentação em Brasília é um dos maiores do Brasil, dificilmente outra cidade terá um salmão com preço mais elevado que esse.

Além do preço, precisamos conhecer também a concentração de ômega-3 no salmão. Esse número é variável, porque depende do tipo de salmão, do tamanho dos animais e da época em que eles são pescados.

No Brasil, a maior parte do salmão comercializado é de cativeiro. O salmão de cativeiro possui maior quantidade de gordura total, e valores absolutos superiores de ômega-3, do que o salmão selvagem. Mas, até mesmo entre animais do mesmo tipo (cativeiro x cativeiro, por exemplo), ainda sim a concentração de ômega-3 pode variar.

E é o que os estudos mostram. Devido a vários fatores capazes de influenciar a composição de gorduras do salmão, estudos diferentes obtêm resultados diferentes para a concentração de ômega-3 presente em cada kg de salmão, como 15,6 g/kg (Jensen et al., 2012), 33,8 g/kg (Hamilton et al., 2005) e 24,3 g/kg (Ikonomou et al., 2007).

Assim, vamos comparar aos suplementos cada um das concentrações de ômega-3 que os diferentes estudos verificaram para o salmão. No entanto, vamos dar um foco maior no valor de 24,3 g/kg (Ikonomou et al), que é basicamente igual ao valor médio — que seria de 24,6 g/kg — entre as três diferentes concentrações de ômega-3 citadas.

Abaixo, a tabela com o resumo das informações:




O menor custo entre os suplementos foi o da Max Titanium, com R$ 0,96/g de ômega-3. As demais marcas variaram entre R$ 1,07 (Performance), R$ 1,33 (Probiótica), R$ 1,55 (Vitafor) e R$ 3,30 (Essential).

A partir desses dados, não há dúvidas: o custo por cada grama de ômega-3 é consideravelmente menor nos suplementos. Com exceção do suplemento da Essential, o valor que seria pago por cada grama de ômega-3 nos salmões é consideravelmente maior. Nem mesmo o salmão com maior concentração de ômega se sai muito bem (R$ 1,78/g de ômega 3), principalmente se compararmos ele aos suplementos com melhor custo-benefício. E os salmões com menor concentração de ômega-3 não tem a menor chance — ficam bem mais caros mesmo (R$ 2,47 e R$ 3,85).

Ou será que não?


A biodisponibilidade muda tudo

Aqui está o diferencial dos alimentos em relação aos suplementos: a biodisponibilidade.

O que acontece é que a absorção e incorporação do ômega-3 total (EPA +DHA) proveniente dos alimentos, mais especificamente do salmão, é muito superior ao que acontece para o ômega-3 dos suplementos. Essa superioridade pode variar de 3,4x até 6,5x!

Se fizermos uma média entre esses dois números, temos que o ômega-3 do salmão é 5x mais bem absorvido e incorporado no corpo humano do que o ômega-3 dos suplementos. Assim, se dividirmos por 5 o custo de cada grama de ômega-3 no salmão (tabela acima), chegamos à conclusão que, na verdade, é muito mais barato obter o ômega-3 por meio da ingestão de salmão do que por suplementos:

  • Salmão 1 (concentração de ômega-3 = 15,6 g/kg) — R$ 0,77
  • Salmão 2 (concentração de ômega-3 = 24,3 g/kg) — R$ 0,49
  • Salmão 3 (concentração de ômega-3 = 33,7 g/kg) — R$ 0,36


Outras vantagens do salmão

Vamos considerar o mesmo exemplo acima: concentração média de ômega-3 de 24,3 g/kg de salmão, e uma biodisponibilidade média 5x maior em relação aos suplementos. Uma pessoa que ingere 1 g/dia de ômega-3 na forma de suplementos, ou 7 g/semana, a princípio precisaria consumir cerca de 60 g de salmão por semana para ter uma ingestão equivalente desse nutriente. Apenas 60 g/semana!

E então alguém pode dizer: “Ah, eu não vou comprar só 60 g de salmão. Até porque o salmão normalmente é vendido já embalado, em quantidades maiores”. Tudo bem, você não precisa comprar só 60 g. Você pode, por exemplo, comprar uma quantidade maior e congelar o que não for consumir de imediato.

Mas as vantagens não estão relacionadas apenas ao menor preço que se paga pela mesma quantidade de ômega-3. O salmão, ao ser consumido, costuma substituir outros alimentos — normalmente outros peixes ou carnes. Por isso, se você opta por ingerir ômega-3 proveniente do salmão em vez de suplementos, seu gasto total com alimentos ainda se reduz um pouco mais, já que o total de outras carnes (ou outros alimentos) que você vai consumir será um pouco menor.

Um exemplo:

Vamos considerar uma carne de baixo custo que praticamente não precisa ter partes removidas antes do consumo, como a carne moída. Em Brasília, referencial que eu usei para o custo do salmão, você paga cerca R$16,00/kg pelos cortes mais baratos de carne moída.

Se você consumir, por semana, 60 g de salmão, o valor pago será de R$ 4,20 (considerando o preço de R$ 70,00/kg). Mas, considerando a concentração média de ômega-3 de 24,3 g/kg de salmão, podemos dizer que R$ 3,50 desse valor total (R$ 4,20) que pagamos pelos 60 g de salmão corresponde apenas ao ômega-3 que estaria sendo consumido (~1, 5 g de ômega-3 do salmão, equivalentes a ~7 g de ômega-3 dos suplementos).

Mas, ao consumir 60 g de salmão em uma refeição, você a princípio deixa de consumir 60 g de outro alimento, como a carne moída citada acima. Enquanto 60 g dessa carne moída custam aproximadamente R$ 1,00, o “resto” dos 60 g do salmão — tirando o valor que estaríamos pagando pelo ômega-3 (R$ 3,50), por não estarmos ingerindo suplementos — custam apenas R$ 0,70 [R$ 4,20 (preço total dos 60 g de salmão) subtraído de R$ 3,50 (valor pago pelos 1,4-1,5 g de ômega-3 dessa mesma porção)].

Assim, se o salmão for consumido em uma porção que fornece o equivalente a ingerir 1 g/dia (7 g/semana) de ômega-3 na forma de suplementos, e se ele estiver substituindo um alimento semelhante (uma carne), você não paga mais por estar consumindo o salmão. Na verdade, considerando uma pessoa que usa suplementos de ômega-3, a inclusão do salmão na dieta pode levar a uma redução no custo da alimentação — uma redução que não é tão grande assim, porque a porção de salmão é pequena, mas que já vale a pena pelo simples fato de não aumentar o custo com a alimentação.

Mas a parte mais importante é: o salmão é um alimento nutricionalmente muito rico. A quantidade de 60 g de salmão*, equivalente a 7 g de ômega-3 na forma de suplementos, possui em sua composição (em % das nossas necessidades diárias):

  • Vitamina B3: 24% 
  • Vitamina B6: 24% 
  • Vitamina B12: 56% 
  • Vitamina D: 233% 
  • Selênio: 36% 


*60 g de salmão cru provavelmente possui um peso 20% menor após a cocção, normalmente grelhado ou assado. Isso equivaleria a ~48 g de salmão pronto (a não ser que seja sushi; nesse caso, 60 g de salmão cru são 60 g de salmão pronto). Os valores acima são referentes a uma porção de 48 g de salmão pós-cocção.


Além disso, essa porção de salmão possui quantidades razoáveis de vários outros nutrientes, como vitamina B1 (14%), vitamina B5 (14%) e vitamina E (10%). Sem contar a proteína de alto valor biológico (10,6 g).


Considerações finais

Vale mencionar que os estudos que compararam a biodisponibilidade de ômega-3 entre alimentos e suplementos foram feitos com o salmão como alimento de referência. Por isso escolhi o salmão para fazer as comparações desse texto. Desconheço estudos que usaram outros tipos de peixe ricos em ômega-3, como a sardinha, para comparar a biodisponibilidade do ômega-3 desses outros alimentos à biodisponibilidade do ômega-3 dos suplementos.

Por isso, o que já foi observado para o salmão a princípio não pode ser extrapolado para outros peixes (ou outros alimentos que contêm ômega-3, como os frutos do mar). Mesmo assim, se eu fosse “adivinhar”, diria que a biodisponibilidade do ômega-3 em outros alimentos ricos nesse nutriente também é maior do que a observada para os suplementos — e quem sabe não seria maior do que a própria biodisponibilidade do ômega-3 do salmão?

Outro ponto importante é a questão da qualidade do ômega-3. De vez em quando surgem análises independentes, e alguns estudos publicados na literatura científica, que encontram lipídeos oxidados — ômega-3 e outras gorduras — presentes nos suplementos. A chance de isso acontecer com a gordura dos alimentos é muito menor, porque ela está lá, protegida e relativamente intacta, até que o alimento seja manipulado e consumido.

Por fim, vale também lembrar: várias linhas de evidência sugerem que os nutrientes presentes nos alimentos podem atuar em sinergia. É claro que cada um deles possui papéis específicos a desempenhar, como o ferro compondo a hemoglobina e a vitamina B3 compondo as moléculas de NADH. Mas não podemos subestimar a “mágica” dos nutrientes atuarem em conjunto, entre eles, para nos proporcionarem saúde.

Esses potenciais benefícios podem ser obtidos com alimentos como o salmão, mas não com suplementos de ômega-3.