terça-feira, 24 de novembro de 2015

Goji berry: super ou subvalorizada?




Adorada por muitos, desprezada por outros. Essa é a goji berry.

Desde que o seu consumo virou moda, passamos a ouvir todo tipo de comentário sobre a goji berry. O principal deles é a alegação de que ela seria um excelente alimento para quem quer emagrecer. E não poderia ser diferente, já que esse é o objetivo de quase todo mundo que busca informações sobre alimentação e nutrição — então é normal esperar que esse seja um dos maiores apelos relacionados à goji berry ou a qualquer outro alimento que ganha popularidade.

Ela obviamente começou como mais um alimento milagroso, com o status de "superalimento", seguindo os passos de vários antecessores, como chá verde, linhaça, chia, açaí e quinoa. Pouco tempo depois vieram os “justiceiros” para desmistificar as alegações sobre os benefícios da goji berry, afirmando que ela não é nutricionalmente superior aos mais diversos alimentos que já consumimos habitualmente.

Mas quem está certo? Faço essa pergunta porque, se olharmos com o mínimo de cuidado, é fácil perceber que na maioria das vezes os argumentos, em ambos os lados da história, não são devidamente embasados (independentemente de serem, mesmo "sem querer", verdadeiros ou não).


Os argumentos

Como forma de justificar o consumo de goji berry, aqueles que a defendem normalmente exaltam sua elevada concentração de nutrientes ou o fato de ela ser uma fruta culturalmente ligada à medicina chinesa e a outras tradições do leste asiático. De forma genérica, nutriente por nutriente, vários alimentos poderiam ser classificados como “superalimentos”, tendo em vista que é relativamente fácil encontrar um nutriente específico (ou até mais de um) que se destaca em cada alimento. Além disso, por mais que a medicina chinesa tradicional recomende o consumo de goji berry, isso por si só não é suficiente para confirmar que ela traz benefícios à saúde.

Do outro lado, aqueles que não consideram a goji berry como um alimento milagroso dizem que a fruta não apresenta qualquer vantagem nutricional verdadeiramente única que não poderia ser suprida por outros alimentos e, principalmente, por uma alimentação de qualidade. Isso é verdade. Só que, se pensarmos bem, é uma verdade que poderia ser dita sobre qualquer outro alimento. E é por isso que essa simplificação limita a nossa interpretação da importância que alguns alimentos ou grupos alimentares podem ter sobre a saúde.

Quando avaliamos parâmetros específicos de nutrição e saúde, se não pudermos considerar nenhum alimento como mais benéfico que outro(s), jamais poderíamos falar que o alimento X, ou o padrão alimentar Y, são capazes de reduzir o risco de desenvolvimento de uma doença Z.

Temos uma série de estudos mostrando que a simples adição de alguns alimentos à dieta é capaz de proporcionar efeitos positivos em diversos marcadores de saúde. Por exemplo, substituir carboidratos complexos por 84 g/dia de amêndoas, em uma dieta de restrição calórica (mantendo as mesmas quantidades de calorias e proteínas) que durou 24 semanas, levou a reduções mais significativas no peso, IMC, circunferência da cintura, massa gorda e pressão arterial sistólica em indivíduos com sobrepeso [1]. Em outro estudo, a ingestão de uma unidade de ovo por dia, em vez de mingau de aveia, durante 5 semanas, melhorou marcadores inflamatórios em pacientes com diabetes tipo 2 [2]. Mais um estudo com diabéticos: o consumo de 59 a 128 g/dia de pistache por 4 semanas (representando 20% das calorias totais) foi mais benéfico para melhorar o perfil lipídico (razão CT/HDLc e triglicerídeos) e reduzir a glicação (frutosamina) do que lanchinhos ‘fat-free’ [3]. Outra demonstração: em indivíduos saudáveis, a ingestão de vinagre (18, 23 e 28 g) foi capaz de atenuar o aumento na glicemia e insulinemia induzido pela ingestão de pão (quanto maior a dose de vinagre, melhor foi a resposta); de que quebra, cada aumento na quantidade ingerida de vinagre proporcionou maior sensação de saciedade nos participantes [4].

Esses estudos mostram que alguns alimentos podem, de fato, conferir interessantes benefícios à saúde. E se isso é verdade para os exemplos citados, também pode ser verdade para a goji berry.

De qualquer maneira, para que a "defesa" ou o “ataque” à goji berry sejam justos, é imprescindível que os argumentos utilizados sejam válidos e devidamente embasados.


O consumo de goji berry realmente traz benefícios?

Dezenas de estudos in vitro e com animais já avaliaram o efeito da goji berry nas mais diversas condições clínicas e patológicas [5,6]. Nesses casos, assim como para diversos outros alimentos e compostos testados em estudos com animais e células, os resultados são extremamente promissores. Já foi demonstrado que a goji berry, principalmente a partir da sua fração de polissacarídeos, é capaz de exercer efeitos antioxidantes, imunomoduladores, antitumorais, neuroprotetores e antidiabéticos [5,6,7].

Mas como não posso deixar de enfatizar (sempre!), a história só fica completa mesmo com estudos em humanos.

E ao consultarmos a literatura científica, rapidamente percebemos que já se estuda a goji berry há algum tempo.

Em 2009, pesquisadores dos Estados Unidos verificaram, em um ensaio clínico randomizado, que uma dose diária de 120 mL de um suco padronizado de goji berry (equivalente a pelo menos 150 g da fruta fresca), comparada a uma bebida placebo com características sensoriais iguais), melhorou parâmetros imunológicos como contagem total de linfócitos, IL-2 e IgG em participantes idosos, após 30 dias de suplementação [8]. Além disso, os indivíduos que ingeriram o suco de goji berry também apresentaram maior sensação de bem-estar, com melhorias na fadiga e no sono, e uma tendência de aumento na capacidade de foco e de melhora na memória de curto prazo. Nenhum efeito adverso foi observado.

O efeito imunomodulador da goji berry foi novamente avaliado em 2012 [9]. Nesse ensaio clínico randomizado duplo-cego, 150 chineses idosos foram divididos em dois grupos: placebo ou intervenção. O pessoal do grupo intervenção consumiu, durante 3 meses, uma formulação láctea à base de goji berry, leite desnatado e maltodextrina. O grupo placebo recebeu uma formulação bastante semelhante, com a goji berry substituída por sacarose (açúcar comum). A duas bebidas apresentavam as mesmas características visuais, de sabor, de aroma e de textura. Ao final do estudo, foi verificado que os idosos que receberam a suplementação de goji berry responderam de forma mais positiva a vacinações contra o vírus influenza, aumentando a produção de IgG específica para o antígeno. O interessante desse estudo é que ele mostrou, numa situação real, que a suplementação com goji berry pode influenciar de forma positiva a resposta imunológica de pessoas idosos — uma população que, muitas vezes, possui um sistema imune comprometido.

Além dos polissacarídeos, a goji berry possui uma quantidade interessante de carotenoides, especialmente zeaxantina [6]. Tendo em vista que a suplementação de carotenoides pode auxiliar no tratamento de alguns problema oculares, como a degeneração macular [10,11,12,13], a goji berry também já foi estudada nesse contexto. Os mesmos indivíduos do estudo anterior [9], nas mesmas condições, foram testados para ver se a suplementação da bebida láctea de goji berry seria capaz de influenciar positivamente a mácula, os níveis sanguíneos de zeaxantina e a capacidade antioxidante dos idosos [14]. Após 3 meses de intervenção, os níveis de zeaxantina e a capacidade antioxidante dos idosos aumentaram em 26% e 57%, respectivamente, após a suplementação com goji berry, enquanto que nenhuma alteração foi observada no grupo placebo. Porém, o resultado mais interessante foi que o grupo que ingeriu o placebo apresentou alterações negativas na mácula, enquanto que o grupo que consumiu goji berry, não. Assim, é possível que a ingestão frequente de goji berry possa auxiliar a atenuar, ou até mesmo prevenir, a degeneração macular associada à idade.

Vale ressaltar que a capacidade da goji berry em aumentar os níveis de marcadores antioxidantes [15] e os níveis de zeaxantina já havia sido demonstrada anos antes [16,17], confirmando que esse carotenoide é capaz de ser absorvido e também de exercer efeitos na saúde humana por meio da ingestão dessa fruta; a homogeneização de goji berry em leite quente aumenta ainda mais a biodisponibilidade de zeaxantina [18].

Mas os benefícios da goji berry podem ir além de tratar ou prevenir doenças. O seu consumo pode ser vantajoso no sentido de promover saúde. Uma meta-análise de quatro ensaios clínicos randomizados, de 2013, avaliou o efeito da ingestão de goji berry em diversos parâmetros de bem-estar e saúde geral [19]. Foi verificado que, comparado a intervenções placebo, o consumo de goji berry mostrou melhorias nos seguintes parâmetros: fraqueza, estresse, acuidade mental, qualidade do sono, falta de ar, fadiga e sensação geral de bem-estar.

E, por fim, a pergunta quer não quer calar: comer goji berry ajuda a emagrecer?  Um estudo de 2011 buscou esclarecer essa dúvida [20]. Em um breve período de duas semanas, a ingestão de suco de goji berry foi capaz de reduzir em 5,5 cm a circunferência da cintura dos participantes desse grupo, enquanto que aqueles que consumiram a bebida placebo não apresentaram alterações nesse parâmetro.




Infelizmente, outras medidas de composição corporal, como peso, percentual de gordura e massa magra, não foram relatadas. De qualquer maneira, os pesquisadores verificaram, ainda, que a ingestão do suco de goji berry levou a um aumento na taxa metabólica de repouso e no gasto energético pós-prandial — resultado este que ajudaria a explicar a redução na circunferência da cintura que foi observada.


Considerações finais

Vale ressaltar que, com exceção de um estudo [16], todos os ensaios clínicos que mostraram benefícios, assim como os estudos incluídos na meta-análise, receberam apoio financeiro de empresas que comercializam produtos fabricados utilizando a goji berry como matéria-prima.

Isso não necessariamente significa que os resultados positivos observados não são verdadeiros — como já mencionei aqui. Porém, é inegável que, de fato, existe um enorme conflito de interesses por trás dos estudos que envolvem a goji berry. Por isso, o ideal é que exerçamos nosso ceticismo e tenhamos uma visão crítica antes de aceitar essas evidências como “definitivas” sobre os benefícios trazidos pela por essa fruta.

Existem evidências suficientes para mostrar que, em humanos, a goji berry pode trazer todos os benefícios alegados por quem a defende? Certamente não. Mas os estudos que já foram feitos apresentaram resultados interessantes? Sim, com certeza — principalmente, na minha opinião, a redução de mais de 5 cm da circunferência da cintura em apenas duas semanas, o que demonstra um potencial considerável em favorecer o emagrecimento.

Sendo assim, não custa nada testar na prática como o consumo de goji berry influencia a sua saúde (até custa, porque não é um alimento barato; mas, se os resultados forem bons, é um custo que pode valer a pena). Como já mencionei várias vezes, nutrição é sinônimo de experimentação





Referências

1. Wien MA, et al. Almonds vs complex carbohydrates in a weight reduction program. Int J Obes Relat Metab Disord. 2003;27(11):1365-72.

2. Ballesteros MN, et al. One egg per day improves inflammation when compared to an oatmeal-based breakfast without increasing other cardiometabolic risk factors in diabetic patients. Nutrients. 2015;7(5):3449-63.

3. Sauder KA, et al. Effects of pistachios on the lipid/lipoprotein profile, glycemic control, inflammation, and endothelial function in type 2 diabetes: a randomized trial. Metabolism. 2015;64(11):1521-9.

4. Ostman E, et al. Vinegar supplementation lowers glucose and insulin responses and increases satiety after a bread meal in healthy subjects. Eur J Clin Nutr. 2005;59(9):983-8.

5. Chang RC, So KF. Use of anti-aging herbal medicine, Lycium barbarum, against aging-associated diseases. What do we know so far? Cell Mol Neurobiol. 2008;28(5):643-52.

6. Potterat O. Goji (Lycium barbarum and L. chinense): Phytochemistry, pharmacology and safety in the perspective of traditional uses and recent popularity. Planta Med. 2010;76(1):7-19

7. Jin M, et al. Biological activities and potential health benefit effects of polysaccharides isolated from Lycium barbarum L. Int J Biol Macromol. 2013;54:16-23.

8. Amagase H, et al. Immunomodulatory effects of a standardized Lycium barbarum fruit juice in Chinese older healthy human subjects. J Med Food. 2009;12(5):1159-65.

9. Vidal K, et al. Immunomodulatory effects of dietary supplementation with a milk-based wolfberry formulation in healthy elderly: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Rejuvenation Res. 2012;15(1):89-97.

10. Sabour-Pickett S, et al. A review of the evidence germane to the putative protective role of the macular carotenoids for age-related macular degeneration. Mol Nutr Food Res. 2012;56(2):270-86.

11. Liu R, et al. Lutein and zeaxanthin supplementation and association with visual function in age-related macular degeneration. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2014;56(1):252-8.

12. Huang YM, et al. Changes following supplementation with lutein and zeaxanthin in retinal function in eyes with early age-related macular degeneration: a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Br J Ophthalmol. 2015;99(3):371-5.

13. Age-Related Eye Disease Study 2 Research Group. Lutein + zeaxanthin and omega-3 fatty acids for age-related macular degeneration: the Age-Related Eye Disease Study 2 (AREDS2) randomized clinical trial. JAMA. 2013;309(19):2005-15.

14. Bucheli P, et al. Goji berry effects on macular characteristics and plasma antioxidant levels. Optom Vis Sci. 2011;88(2):257-62.

15. Amagase H, et al. Lycium barbarum (goji) juice improves in vivo antioxidant biomarkers in serum of healthy adults. Nutr Res. 2009;29(1):19-25.

16. Breithaupt DE, et al. Comparison of plasma responses in human subjects after the ingestion of 3R,3R'-zeaxanthin dipalmitate from wolfberry (Lycium barbarum) and non-esterified 3R,3R'-zeaxanthin using chiral high-performance liquid chromatography. Br J Nutr. 2004;91(5):707-13.

17. Cheng CY, et al. Fasting plasma zeaxanthin response to Fructus barbarum L. (wolfberry; Kei Tze) in a food-based human supplementation trial. Br J Nutr. 2005;93(1):123-30.

18. Benzie IF, et al. Enhanced bioavailability of zeaxanthin in a milk-based formulation of wolfberry (Gou Qi Zi; Fructus barbarum L.). Br J Nutr. 2006;96(1):154-60.

19. Paul Hsu CH, et al. A meta-analysis of clinical improvements of general well-being by a standardized Lycium barbarum. J Med Food. 2012;15(11):1006-14.

20. Amagase H, Nance DM. Lycium barbarum increases caloric expenditure and decreases waist circumference in healthy overweight men and women: pilot study. J Am Coll Nutr. 2011;30(5):304-9.